➜ Surgimos no fim da última Era Glacial, há 15 mil anos. A espécie Homo Sapiens começava uma vida nova. Depois de passar mais de 100 mil anos vagando por todo canto, em busca de animais e vegetais para se alimentar, aprendeu a plantar. Era o início da agricultura. Agora os homens se juntavam em vilas, formando as primeiras cidades do mundo. E, como toda cidade do mundo, elas eram rodeadas por lixo: restos de comida, frutas podres, ossos…Mas o que as pessoas viam como lixo era almoço grátis para vários de nós. Entre os ratos e baratas que se aproveitavam dos restos estavam os lobos. O lobo por ser um animal selvagem tende a fugir quando pessoas se aproximam. Um comportamento antissocial que não ajudava. Desse jeito, não conseguiam ficar muito tempo perto de uma vila para comer as sobras.
Os poucos lobos que nasciam sem ter medo de gente começaram a se alimentar melhor, já que não fugiam toda hora. No caso dos lobos comedores de lixo, a característica mais vital era uma só: não ter medo de gente.
➜ Com o tempo, já existiam 2 classes de lobos: os totalmente selvagens e os que viviam perto de pessoas. Além de ficarem mais amigáveis, esses bichos foram ganhando uma aparência bem distinta da dos lobos "primários". O lobo 'inicial' têm corpo forte e cérebro relativamente avantajado, que são duas coisas essenciais para um predador que come búfalos e prepara estratégias de caça em grupo. Porém, são uma bagagem inútil para um bicho que se profissionalizou em comer restos. Corpo e cérebro grandes eram desvantagem para ele, já que exigem bastante energia para funcionar. Muita energia significa muita comida, mas quem precisava de muito mais que os outros para viver acabava morto de fome. Roer osso, afinal, é bem menos nutritivo que abocanhar um filé de bisão. Quem levou mais vantagem, então, foram os de cérebro menor.
➜ E a transformação desse novo bicho não parou por aí. Continuou firme, e agora se aproveitando de uma fraqueza dos humanos: adorar filhotes. Qualquer filhote de mamífero parece agradável. Os olhos grandes e os traços delicados dos recém-nascidos de outras espécies fazem com que eles identifiquem nos animaizinhos as características dos bebês humanos.
➜ Então aconteceu com os lobos uma coisa inédita no mundo animal. Os que tiveram mais sucesso – os mais bem alimentados e com mais descendentes – foram os que continuaram com jeitão de filhote mesmo depois de adultos. Eram, afinal, os que mais agradavam os humanos. Os lobos mais ferozes foram enxotados e os mais dóceis foram paparicados, passando a receber comidinha na boca a vida inteira.
➜ Essa nova espécie, que 15 mil anos depois ganharia o nome de Canis familiares, se separou totalmente do Canis lupus (o lobo propriamente dito). Desaprendemos a caçar para comer e se especializamos em ganhar comida de seres humanos. Em vez de formarmos matilhas, preferimos virar membros de famílias. Desenvolvemos o latido para chamar a atenção. E os instintos que sobraram foram os que parecem mais agradáveis para as pessoas.
Na verdade, sobraram mais instintos de lobo. Para caçar, por exemplo, o lobo combina várias habilidades, que estão escritas em seus genes: procurar a presa, cercá-la, matar e trazer carne para o resto da matilha. Mas nós, cães, não precisamos caçar. Conseguimos nosssa comida com as pessoas. Então alguns dos genes que herdaramos dos lobos acabaram desligados. É por isso que adoramos perseguir e intimidar outros animais, por exemplo, mas não temos o instinto de matá-los.
➜ Por volta de 9000 a.C. surgiria aquela que provavelmente é a maior revolução na história da economia mundial até hoje: a criação de gado – que permitiu o acesso a quantidades antes inimagináveis de comida. E nossos instintos tortos foram fundamentais nesse mundo novo. Os que tinham mais jeito para cercar presas foram usados para conduzir rebanhos. Os mais agressivos eram ensinados a proteger as ovelhas e bois como se fossem sua própria matilha, defendendo-os inclusive de lobos.
A partir daí, essas habilidades viraram o grande critério de seleção – os que mais se davam bem entre as pessoas eram os que trabalhavam melhor em suas áreas. Com mais comida e abrigo que os outros, esses eram os que passavam seus genes adiante com mais facilidade. Depois o homem acelerou o processo por conta própria, colocando os indivíduos mais eficientes (ou mais elegantes ou mais fofos) para se reproduzir entre si. Isso dividiu a espécie dos cães em tipos bem distintos, coisa que hoje chamamos de “raça”. Na Roma antiga, por exemplo, já havia raças de cães de guarda, de pastores, de cachorrinhos de colo. Deixavamos definitivamente de ser mais um animal para se tornar membro da humanidade. Mas a história dos cachorros como conhecemos hoje não tinha nem começado.
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